domingo, 26 de abril de 2009

Buenas! Depois de uns bons dias sem escrever nada, vortei. Não é que eu fiquei sem escrever nada, já tentei escrever duas vezes sobre meu atual paradeiro mas nas duas desisti. É impossível escrever sobre São Gabriel da Cachoeira. Escrever até dá - eu estou começando a quarta linha nesse momento - o que não dá é querer que essas palavras passem o que é esse lugar aqui. Talvez o que chegue mais perto é o que eu disse na última vez que eu deixei algo escrito aqui, SGC não existe, é uma cidade imaginária, uma obra de ficção. Vocês não imaginam a confusão que é estar em um lugar que não existe. Pelo menos pra mim, tão acostumadinho (esses padrões burgueses ...) com a coisas sempre existindo ao meu redor. O Ítalo Calvino tem aquele livro, "Cidades invisíveis", em que ele vai descrevendo uma cidade mais maluca que a outra e você não sabe direito onde aquilo é verdade onde não é se aquilo que ele descreve lá existe mesmo, seja lá em qual nível. Pois é, São Gabriel da Cachoeira é uma cidade invisível. E Imaginária e irreal e impossível. É o lugar mais inacreditável que eu já vi. Daí que o melhor jeito de falar dele é falar um monte de coisa meio sem ordem muito certa, lembranças, observações, dados objetivos, daí quem tiver lendo que crie sua própria lógica, sua forma de juntar tudo. Realidade material e devaneios, miséria braba e mundo miraculoso palpável, tudo misturado em um lugar que não existe, em uma cidade inventada no fim do mundo. É nóis em São Gabriel da Cachoeira, a cidade com maior número de indígenas do país.

- Antes de tudo, uma pequena correção, eu não estou mais em nosso país. Aliás eu não estou mais nem nem na Terra. Se a região Norte do Brasil parece outro planeta, São Gabriel é realmente em outro planeta. Dá pra ver a Terra daqui, nem é tão azul assim como dizem. Até que é meio perto. È até estranho, porque esse lugar é tão louco que parece outra galáxia. È verdade, acreditem.

-Esse lugar é uma "falha na Matrix" que não passa. Aqui, a realidade ordinária é uma "falha na Matrix" constante. Não estou brincando, é verdade mesmo. O tempo todo você vê cenas que incluem muitos mundos e tempos dissonantes. Hoje no por do sol tive a impressão de ter visto um pterodátilo, mas só que foi rápido, não deu pra ter certeza. Amanhã eu confirmo, deve ter sido mesmo.

- Existe um portal mágico no Rio Negro que vai parar direto na Índia. Eu lembro na hora que passou, só que como eu não sabia o que era nem atinei. Só descobri aqui. Na verdade estou em Varanasi. Não estou brincando, é verdade mesmo. A Índia fica no noroeste do Amazonas, ou vice-versa. E ambos (que são o mesmo) ficam em outro planeta que parece outra galáxia. E são invisíveis. Sacou?

- aqui vende cozido de paca na feira.

- são 22 etnias, umas quinze línguas (fora o português e espanhol), faladas por todos os lugares e de maneira misturada. Ouvi uma conversa de maku misturado com portunhol na fila do Banco do Brasil. Outro dia, um tariana que estudou em um seminário para ser padre falou comigo em francês e em inglês sem perceber direito (tinha tomado umas duas a mais, o normal é ele falar umas das cinco línguas indígenas que ele conhece). Estávamos de frente para uma maloca que fica na cidade e com a gente tava também um pajé Baré que tinha ido estudar medicina em Cuba, só que não passou nas provas. Não lembrava o nome da cidade, precisou de três copos de caxiri pra ele dar um grito na minha orelha, "Havana!!". Ele agora mora em uma aldeia baniwa que fica a três dias de canoa de São Gabriel. Lá, é pajé e enfermeiro. Devia ter perguntado o que ele acha do Fidel, vacilei.

- A paisagem é tão estonteante que a linguagem linear não dá conta de descrever. Teve um dia que eu passei o dia lendo sobre os mitos dos índios dos Uaupés (um rio daqui) e fui tomar banho de rio no fim da tarde. Entendi que o que eu estava vendo não era bonito, deslumbrante, estonteante ou milongas que tais. Era a aldeia celeste onde chegamos quando a sucuri gigante abre a terra para a lua sair. A palavra mítica dá sentido a esse lugar, a outra, linear e xôxa, é o holograma da Matrix. Mas esse falha toda hora. Ainda bem.

-Dexa eu tentar descrever melhor esse papo de Matrix. Vou tentar ser bem explicadinho, porque o negócio é enrolado. No filme lá tem dois mundos, aqui não, é pelo menos três. Mas começa com dois. Assim ó, tem dois básicos, o mundo do indígena e do não-indígena ou, como eles dizem, tem o jeito do índio e o do branco. Esses dois se explicitam de muitas formas, divisão sócio-econômica, um anda a pé e o outro de carro, um tem um ritmo frenético esquizofrênico e o outro tá sentado em uma pedra olhando o invisível. Um tem um convívio hipnotizante com o rio, o outro com tudo que lembra Manaus-São Paulo-Nova York. Claro que essas duas bandas se interpenetram, e que tem hora que se confundem, não é oito e oitenta, mas fica bem clara essa divisão. Daí que o mundo indígena também e dividido em dois, esse mundo (visível) e o espiritual (invisível). Nesse mundo daqui funciona uma linguagem mais prática. O espiritual se traduz pela linguagem mítica. Daí fica três mundos então: o mundo do não-índigena, o mundo do indígena e o mundo mítico (que na verdade são vários, depende da etnia). Intão, Matrix aqui disfarça o real de asfalto, mas tamém disfarça de rio, já que "na verdade" o real é uma cobra mítica seja de asfalto, seja de água. Na verdade, verdade verdade mesmo, o real aqui em São Gabriel é o convívio desses três mundos o tempo todo, o mundo real é um quarto mundo onde esses três mundos vão se combinando de diferentes formas, cada hora um aparecendo mais, as vezes dois, sempre uma confusão, mas com uma harmonia misteriosa de fundo ligando os pedaços. São Gabriel é um caleidoscópio em movimento. Os mundos são as diferentes pedrinhas. Uma cobra que vira uma rua que vira um rio que é uma cobra. Uma rua de asfalto te leva até a aldeia celeste. Crianças se banham em uma cobra mítica. Pedaços de plástico são cada vez mais freqüentes nas corredeiras do Rio Negro. Caleidoscópio mítico-invisível-transcedental-indiano em outro planeta de outra galáxia da Matrix via interneti. Tudo isso falado em quinze línguas e com um sonzinho distante de cítara ao fundo.

E aí, deu pra entender?

- 90% da população daqui é indígena, só que são os 10% não-indígenas que botam a mão na grana toda. Muitos cearenses comerciantes, militares e profissionais da saúde. Os indígenas vivem uma situação de muita pobreza e enfrentam sérios problemas com alcoolismo, abandono familiar e prostituição infantil.Tem uns tres ou quatro aqui que eu amarraria lambuzado de mel encima de um formiguero.

- Desde que eu cheguei aqui que eu repito uma frase várias vezes por dia: "Esse lugar não existe."

- Outro dia fiz amizade com um ianomâmi. Ele me cumprimentou com um aperto de mão e não largou mais. Enquanto a gente falava ele passou um tempo segurando a minha mão e balançando ela de leve. O Gélio foi criado em Manaus e hoje está no exército. A maioria do pelotão aqui de São Gabriel é formado por indígenas. Tenho muita vontade de conhecer melhor os ianomâmi.

- Dia 19 de abril, dia do índio, teve um evento no ginásio da cidade. Minha amiga Marília pediu minha máquina digital para gravar a apresentação de uns jovens com quem ela trabalha. Era o grupo de street dance de São Gabriel.

...

- Nesse mesmo dia ouvi um diálogo entre um Tukano e um professor universitário de Manaus. Falavam de mudanças climáticas. O líder tukano falou da astronomia do seu povo, de uma tartaruga feita de estrelas e perguntou a visão do professor. O professor citou o zen, retornou com outra pergunta e falou da nossa possibilidade de capturar a não-matéria. Pelo que eu pude perceber, parece que eles se entenderam muito bem. Coisas de Varanasi...

-Eu andando para lá e para cá com uma máquina digital. De vez em quando, uma fotinho. Num tô dizeno que esse lugar é uma falha na Matrix...

- Aqui tem muitas igrejas evangélicas.

- O canal a cabo da casa da minha amiga tem muito mais canais de filmes que os que eu conheci em São Paulo. Outro dia passou na varanda o maior lagarto que eu já tinha visto, parecia um jacaré. O "quintal" da Marília é uma floresta que só acaba na Colômbia. Na TV estava passando Friends.

- Quando você entra no rio aqui em São Gabriel nada mais importa.

- Outro dia eu tava na rede e vi um moleque fazer cocô no mato e comer um pão ao mesmo tempo. Não sei direito porque, mas acho que isso tem a ver com tudo isso que eu estou escrevendo.

- O beiju daqui e totalmente insosso. É pra servir de contraponto com todo o resto.

- Aqui em São Gabriel entendi o que leva esses sadhus indianos a sentar no chão e levantar o braço sem abaixar durante trinta anos. Depois de conhecer São Gabriel acho essa atitude muito coerente.

- Em São Gabriel existem cerca de 550 comunidades indígenas. São 25.000 pessoas em uma área do tamanho da metade do Estado de SP. A menor densidade demográfica do Brasil. É só mata e rio. Sabe quando você manda alguém "lá pa puta qui pariu"? Intão, é aqui.

- A estrutura urbana da cidade é feia, sem planejamento e cheia de problemas típicos de uma cidade grande. O grande fluxo de capital aqui para São Gabriel (por causa dos milico e das ongs) e a conseqüente disparidade social faz com que a cidade tenha problemas como alto índice de violência juvenil, roubo e tráfico de drogas em proporções gigantes para o tamanho da cidade. Boa parte dos habitantes vive em bairros semi favelizados na periferia da cidade. O centro da cidade - feio e barulhento - é, de longe, a coisa que mais parece um holograma fictício por aqui. É totalmente desconjuntado com o meio, esquisito de tudo, totalmente dispensável. O Keanu Reeves podia muito bem reprogramar essa parte.

- É comum ver indígenas caídos de tanto beber pelas ruas da cidade.

- Diz que tem um pajé ianomâmi na região que outro dia derrubou um helicóptero só na reza. A história é meio famosa por aqui, muita gente diz que é verdade mesmo. Mas não pense que foi fácil, ele quase não conseguiu.

- Outro dia fui em uma espécie de condomínio de militares aqui. Parecia a "ilha da fantasia". Juro que se o Tatu - aquele anãozinho de paletó branco e voz de apito engasgado - viesse me receber eu não ia achar estranho.

- As crianças indígenas só andam em bando, pescam, tomam banho de rio e ficam trepando em árvore o dia inteiro. As crianças indígenas são igualzinhas às caipira, só que completamente diferente.

Acho que por enquanto é isso, depois eu volto. E vai demorar bem menos agora Até.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Olá!

Depois de um pouco mais de dois meses, finalmente cheguei a São Gabriel da Cachoeira (SGC). Do Maranhão até aqui é um degradê (é assim que escreve?) perfeitinho do negro pro índio. De São Luis, onde a população é quase toda negra até aqui, onde todo mundo é indígena (fora os cearense, é claro).

No trajeto, a mudança gradativa, bem matizada mesmo, muito legal, cada lugar que você vai chegando vai vendo os traços irem se modificando, indo mais pro indígena, o Pará é o meio do caminho, puta miscigenação, daí quando começa o Amazonas já é bem mais indígena e aqui em SGC intão... SGC é uma cidade completamente diferente de tudo. Mas antes disso, a chegada até aqui. Da última vez que escrevi estava em Manaus, na véspera da saída para Barcelos, uma cidade que fica no Rio Negro, no caminho daqui para Manaus. Escolhi passar uns dois dias lá ao invés de ficar parado em Manaus. Daí que eu peguei mais um barco, mais dois dias, mais água e floresta sem fim.

O Rio Negro é maravilhoso. Entre ele e o Tapajós o páreo é duro. Só de lembrar do Tapajós agora que eu escrevi parei para ficar lembrando um pouquinho. O rio conversa com a gente, é impressionante, ele é lindo, azul, vivo, antigo, cheio de memória dos tapajoaras que viveram ali há 8000 anos, muitos dizem que foram os primeiros daqui. Tudo isso o rio te fala, ele é muito muito vivo, parece um amigo que eu fiz na viagem. Vontade de voltar lá e passar aqueles quarenta dias pelas comunidades ribeirinhas. Já pensou... Mas agora eu tô no Negro. É deslumbrante. Ele é negro mesmo, e eu acho que tem a ver com isso ele formar um espelho perfeito com a floresta e o céu (que é imenso também, nunca vi umas nuvens tão grandes). O céu por aqui é bem mais bonito que mais para trás, não é tão nublado, tem estrela, por do sol, nuvens cheias de formas.
Daí imagina então, floresta sem fim, um céu deslumbrante, tudo isso dobrado no espelho do rio (que dependendo da hora fica roxo, prata, não é só negro não). Tem hora que dá vontade de chorar de tão lindo que é, parece até meio mentira, efeito de alucinógeno sei lá. E é durante muito tempo, é comprido, três quatro, cinco dias, ce dorme, come, joga dominó, conversa, e continua lá, num passa o efeito. E eu descobri que esses números são porque estou navegando nos grandes rios, que são como avenidas principais. Se vc vai para as quebradinhas, que são infinitas, são 15, 20, 25 dias! E são barcos pequenos, canoas grandes bem dizer, de sete, oito metros de comprimento por uns dois de largura. O pessoal vem trazer coisas para vender (açaí, piaçava, tucumã) e levar produtos. Ou então agentes de saúde, alguém da prefeitura, essas coisas. Muitos vivem mais nesses barcos que em casa. Muitos, o barco é a casa. Famílias inteiras – e grandes – nesses barquinhos, cruzando os rios e igarapés dias e dias, parando pra pescar, caçar, dormir. Nos portos das cidadezinhas e vilazinhas do caminho você vê um monte deles, de vez em quando passa um margeando a floresta (pelo que entendi eles não gostam de andar muito nos rios grandes, só quando precisa) cheio de criança se trepando e uma montanha de açaí ou outro produto extrativista, uma fumacinha de alguma comida e adultos de cócoras, as vezes uma rede. Cena típica desse pedaço de mundo aqui.
Aliás, há outras coisas que participam o tempo todo da vida cotidiana daqui e que eu tenho a impressão de que pouco se fala delas, fica sempre se martelando os grandes temas – ribeirinho,caboclos, a imensidão da floresta, etc – e se esquecem coisas “desimportantes” que falam muito sobre a vida daqui. Por exemplo, o DVD acústico do Amado Batista! Vocês sabiam que o Amado Batista gravou um DVD acústico? Pois é, impossível não descobrir isso aqui no Norte. Ele está passando em quase todas as televisões de restaurantes, botecos e vendinhas daqui. Já decorei metade das músicas, a ordem delas, os artistas convidados e tudo. Aliás, cresceu em mim algo que eu já tinha, mas que a falta de um ambiente favorável nunca permitiu que ganhasse uma forma mais nítida. Descobri, perdida no fundo de minhas memórias não visitadas, uma admiração pelo Amado Batista. Não sei direito porquê, talvez só porque ele tem um jeito de ser gente boa, talvez porque as musicas dele me remetem diretamente a minha infância perambulando entre os nordestinos da Vila Sonia, sei lá, sei que acho o Amado Batista da hora. E, apesar das reclamações de muitos dos meus companheiros de almoço e cervejas por aqui, me recuso a ir embora de um bar no meio de uma música dele, espero pelo menos até o fim dela, as vezes até o fim da próxima, canto junto timidamente, sinto a música, dou aquela última olhadinha para a cara dele, um suspiro discreto e daí sim vou embora. Podem reclamar mas num tem jeito, já virou uma espécie de ritual, esperar mais uma ou duas músicas do Amado antes de levantar da mesa ou sair do balcão. Aconselho a experiência, mó energia, só vivendo pra saber.

Outra coisa que está o tempo todo presente onde quer que você vá são os evangélicos. Você sabia que o Norte é a região do Brasil com maior porcentagem de evangélicos do Brasil? Sim meus irmãos, os evangélicos. Nada de pajés, curandeiros caboclos e seres miraculosos da floresta, o negócio aqui é evangélico pregando a palavra. Muitos, em todo lugar. E tem um negócio interessante aqui, que eu não sei como é direito em São Paulo, vai ver que eu que não presto muita atenção quando to lá, mas aqui tem uma certa naturalidade, uma “tranqüilidade” evangélica. Conversa-se tranquilamente sobre Jesus aqui. Nas mesas de padaria, nas redes dos barcos, nas banquinhas de comida. Sem gritaria, dedo em riste ou aquele clima meio ameaçador de fim dos tempos, por aqui o evangelho entrou no tempo distendido da Amazônia, bíblia sabor tucumã. Aqui ele não só é uma verdade a ser aclamada, mas um assunto que preenche a trama miúda do dia a dia, tipo futebol, novela, quem matou quem. Um salminho aqui, é fulano que se converteu, um milagrinho que rolou outro dia , tudo na boa, sem afetação, comendo uma coxinha (outra presença constante pouco citada, açai e tucupi todo mundo fala, e a universal coxinha? ) meio cochilando no barco, toda hora é hora de uma lembrança, de uma pregadinha básica. Deve ser a tal estória “Jesus vive entre nós”, qualquer hora eu trombo com ele comendo um açaí por aqui. Com tapioca provavelmente que ele não é besta. E peixe né, diz que ele gosta... Por esses dias tenho conversado com vários “irmãos”, sempre no barco; um pastor importante da região que me contou da politiquelas daqui (Brasil é uma merda memo), uma moça que ficou na cama deprimida três anos até ir pra igreja, uma macuxi líder dos trabalhadores rurais da região dela- uma mulher legal pra caramba- uma senhorinha que passeava no barco dando uns folhetinhos. Daí que de tanto conversar e ouvir esse povo nesses dias, acabou que eu descobri um negócio sobre mim, uma unanimidade entre todos os crentes com relação a minha vida: Deus tem um plano pra mim. Todos me falaram desse tal plano, uns de maneira mais sutil ( “se vc está onde está, vindo de onde vem e indo para onde vai, isso só pode ser um plano de Deus”, ah tá...), outros mais diretamente (“é um plano de conversão, você vai ver!!”) e outros bem incisivos, meio ameaçadores - deve ser a escola evangélica paulista- “quando chegar a hora Deus vai dizer: Lembra aquela moça da rede ao lado naquele barco? Era uma enviada e você não ouviu, agora é tarde!” E tome o capiroto me levano embora! Daí que eu parei dois dias em Barcelos, uma cidadezinha pequena, pracinha, forró por todo lado, Amado Batista nos estabelecimentos e aquele monte de menina (bonitas, muito bonitas) emperequetada e de salto alto dando volta nas noites do fim de semana. Em Barcelos entendi mais profundamente o tal de “ser brega”. Dizem que o Pará é a terra do brega, quem falou isso não chegou até o Amazonas para conferir. Vai ser brega assim lá em Parintins!! Muita maquiagem, brincos, colares e pulseiras enormes, os cabelos cheios de alguma coisa (que eu não sei o que é, mas que eles tão cheios de alguma coisa eles tão), saltos agulhas cheios de brilhantes e roupas cheia de babados e floreios mil e ombros só de um lado aparecendo. Na pracinha de Barcelos me senti um macaco no SP Fashion Week. Teve uma lá que resolveu listar o que estava errado em mim, começou na unha do pé que tava mal feita, suja e não sei quê e veio subindo até meu cabelo que está “horroroso”, queria me levar pro cabelereiro no dia seguinte. Consegui escapar. Fora o povo dançando. Meu Deus, o que é aquilo, parece um show de malabarismo, contorcionismo, as chinesinha do circu du solei perde praquele povo lá. Fiquei bem impressionado mas não gostei muito não, muito pirotécnico dimais, sou mais o esquema xiadudaxinela memo.

Por fim, mais uma dose de indignação com o esquema de produção e escoamento das coisas aqui. Em Barcelos, o absurdo chega a tal que uma banana é 50 centavos porque vem de Manaus. No meio da Amazônia, a banana chega até o mercado depois de três dias de balsa!!!!!! È simplesmente inacreditável!!! Fora um ou dois produtos da floresta, tudo vem de Manaus!! Dá vontade de voltar pra baixo,(ou ir ate Paraopebas na escola do MST) fazer um curso decente de agrofloresta e voltar pra cá dedicar a vida, o Brasil tem cada uma que nem depois de se escaldar vc deixa de ficar impressionado. Amazônia tá na mão de meia dúzia de prefeitos que simplesmente só roubam, mandar matar e exploram a prostituição infantil, só isso e mais nada. Filhosdaputa.

Enfim, depois peguei mais dois dias de barco, o Rio Negro só vai ficando mais bonito e silencioso, é nítido que o número de habitantes vai se escasseando, é floresta e rio e céu sem fim e com um princípio de relevo montanhoso. Mais conversas, cervejnha em portos de vilazinhas ribeirinhas (e dá-lhe Amado) e mais ditados muito engraçados (devia anotar, já era pra ter mais de cem, na hora guardo e penso: depois eu anoto, daí já viu né). Essas amizades de barco são um barato. Amizades de dois, três dias de viagem, no barco a vida pára e se cria um drama diário paralelo ao mundo de fora do barco, um cotidiano provisório para se criar a tecitura do tempo até se chegar no pouso final. Quem tiver vontade e paciência consegue escrever um tratado filosófico só com base nessas viagens de barco, o que rola com a gente quando está ali, em “pausa”, esperando chegar para vida normal continuar. Enfim... Agora cheguei em SGC, onde estou hospedado na casa da minha amiga Marília, mas vou deixar pra falar disso daqui a alguns dias quando tiver melhor assentado as primeiras impressões sobre esse lugar aqui. Vocês não fazem idéia, é inacreditável, agora o negócio ficou sério, SGC não existe, tudo que eu escrever daqui pra frente é mentira, eu ainda tô em Barcelos e resolvi escrever uma ficção sobre uma cidade imaginária. Inacreditável, imenso, estonteante, incrível, impressionante, essas palavras ficam se repetindo, quem quiser manda uns comentários com adjetivos desse tipo pra me ajudar gente eu agradeço, mas acreditem, é verdade mesmo, a Amazônia é bem mais que isso, falta talento com as palavras para conseguir descrever.

É isso, Bruno.